Por: Alceu Linares Pádua Júnior – Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri e Ernane Miranda Lemes – Agricon Business
O fosfato bicálcico, conhecido na prática agrícola como DCP (dicálcico), é uma fonte de fósforo e cálcio de liberação gradual muito útil para quem gerencia fazendas cuja aplicação principal é na alimentação animal, e com potencial para uso como fertilizante.
Ao contrário de fertilizantes solúveis que liberam todo o nutriente rapidamente, o DCP se dissolve mais lentamente, garantindo um suprimento mais constante de fósforo e cálcio à raiz das plantas especialmente em solos tropicais ácidos, como os do Cerrado. Esse comportamento é fruto de sua solubilidade moderada em água e em soluções mais ácidas, o que faz com que o fósforo seja disponibilizado ao longo do ciclo da cultura, sem picos que muitas vezes não coincidem com a demanda real das plantas.
Da indústria ao campo: como o DCP é produzido
Na indústria, o DCP é obtido pela reação controlada de ácido fosfórico com fontes de cálcio, como carbonato de cálcio, cal virgem ou cal hidratada, em condições de temperatura e pH específicos. O processo gera dióxido de carbono e água como subprodutos, e o produto final pode ser seco e acondicionado em forma de pó fino, microgrânulos ou grânulos maiores. A escolha da granulometria impacta diretamente a aplicação no campo: o pó tem maior área de contato e liberação mais rápida, mas é difícil de manusear em máquinas convencionais; os microgrânulos equilibram reatividade e praticidade em linhas de plantio; já os grânulos maiores são indicados para distribuição a lanço e em sistemas mecanizados. Importante ressaltar que a granulometria do fertilizante deve ser homogênea para evitar distinta reação das partículas de tamanhos diferentes.
Solos, pH e eficiência: o segredo está no equilíbrio
A eficiência do fosfato bicálcico depende muito do solo em que é aplicado. Em solos com pH H2O entre 5,0 e 6,5, típicos de muitas regiões agrícolas brasileiras após calagem, ele rende melhor, pois há menos fixação de fósforo por ferro e alumínio. Em solos muito ácidos (pH abaixo de 4,5), o nutriente tende a ficar “preso” em compostos insolúveis; em solos alcalinos (acima de 7,0), pode precipitar como fosfato tricálcico, igualmente pouco disponível. Em solos de textura arenosa e média favorecem a difusão do fósforo, enquanto solos argilosos e ricos em óxidos de ferro demandam cuidados extras, como a aplicação conjunta de matéria orgânica ou inoculantes microbianos que liberem ácidos orgânicos na rizosfera (região próxima a raiz) no rizossolo e diminuam a fixação.
Estratégias de manejo para potencializar resultados
Para contornar limitações em solos de alta fixação, recomenda‑se corrigir a acidez com calcário antes do fosfato bicálcico, usar matéria orgânica para reduzir sítios de adsorção e, em casos mais críticos, combinar DCP com fontes de fósforo altamente solúveis, como MAP ou superfosfato simples, garantindo disponibilidade imediata e sustentada. Outra alternativa é aplicar microrganismos solubilizadores de fósforo (PSB) e fungos micorrízicos, que promovem dissolução adicional do DCP junto às raízes. Essas práticas integradas maximizarão a absorção pelas plantas e aumentam o retorno sobre o investimento.
O melhor momento e local para aplicar
Quanto ao momento de aplicação, a recomendação geral é posicionar o fosfato bicálcico perto da linha de plantio ou das covas, antes ou durante a semeadura, para que a raiz em desenvolvimento tenha contato direto com o nutriente. Em culturas anuais, a incorporação na pré-semeadura equilibra liberação gradual e início rápido de absorção; em perenes, a aplicação junto ao plantio de mudas favorece o estabelecimento radicular. Aplicações em cobertura são menos indicadas, dado que o fósforo pouco migra no perfil do solo, ficando longe das raízes se aplicado entre linhas.
Clima e solo: uma parceria essencial
O clima também interfere: chuvas regulares mantêm o solo úmido, condição essencial para a dissolução do DCP; já o excesso de chuva favorece erosão e transporte superficial, reduzindo a eficiência. Temperaturas moderadas aceleram tanto a solubilização quanto a atividade microbiana, mas calor excessivo pode intensificar processos de fixação indesejada. Por isso, conhecer o regime local de precipitação e as previsões sazonais ajuda a programar a aplicação e, se possível, combinar com irrigação controlada para evitar períodos secos que atrasem a liberação de fósforo.
Novas tecnologias e tendências do mercado
Para quem busca inovações, o mercado tem avançado em microgranulados e blends que misturam DCP a fontes solúveis, promovendo um “efeito duplo” de liberação imediata e sustentada. Encapsulamentos em polímeros ou compostos minerais retardam ainda mais a liberação, prolongando a disponibilidade por semanas. Em sistemas orgânicos, o fosfato bicálcico natural é aceito pelas certificações, pois não depende de aditivos sintéticos e provém de rochas fosfáticas. Já as nanoformulações, embora promissoras em reduzir doses, ainda aguardam comprovação de custo‑benefício em larga escala.
Custos, viabilidade e sustentabilidade econômica
Falando em custo, o DCP costuma ser mais barato para produzir e transportar, graças à menor energia e insumos necessários, mas seu teor de fósforo disponível é menor que o de fertilizantes convencionais. Isso significa aplicar volumes maiores para atender à demanda das lavouras, o que pode elevar os custos de aplicação e, em solos muito ácidos, exigir também calagem adicional. Em cenários de alta demanda inicial de fósforo, fontes solúveis podem proporcionar melhor retorno, mas para manutenção de rotina em solos bem manejados, o DCP pode representar economia e menor impacto ambiental.
Qualidade, segurança e responsabilidade ambiental
Outro ponto importante é a qualidade do produto: rochas fosfatadas contêm impurezas como metais pesados (cádmio, chumbo) e fluoretos, que podem acumular no solo ou na planta. Por isso, sempre exija laudos que atestem os limites legais de contaminantes e, se necessário, opte por produtos submetidos a processos de lavagem ou calcinação para reduzir essas impurezas. A escolha de fertilizantes de boa procedência protege a saúde do gado, de trabalhadores e a qualidade dos alimentos produzidos.
No campo ambiental, o fosfato bicálcico reduz perdas por lixiviação e risco de eutrofização de rios e lagos, pois libera fósforo lentamente, diminuindo picos de concentração na água. Estudos indicam redução significativa de escoamento de fósforo do fosfato bicálcico em comparação com fontes solúveis, contribuindo para a conservação dos recursos hídricos e para práticas agrícolas mais sustentáveis. Aliar DCP a corretivos de acidez com cálcio e manejo de cobertura vegetal potencializa ainda essa redução de perdas.
Inovação brasileira e o futuro do fosfato bicálcico
Finalmente, no Brasil, empresas de mineração e tecnologia têm se associado a universidades e institutos de inovação para desenvolver rotas mais limpas de produção de fosfato bicálcico e reciclagem de resíduos. Projetos colaborativos envolvendo grandes mineradoras, o SENAI e a Embrapii têm buscado aprimorar processos de beneficiamento e explorar subprodutos de mineração para transformar em fertilizantes, diminuindo o uso de recursos naturais e geração de rejeitos. Para o gerente de fazenda, acompanhar esses avanços pode significar obter produtos com melhor desempenho, menor custo e maior responsabilidade socioambiental, alinhando a produtividade à conservação do solo e da água.
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